A ausência de nova regulamentação atempada causa danos no mundo laboral.
O teletrabalho deixou de ser obrigatório no passado mês de agosto e deixou de ser recomendado agora em outubro.
Já antes das férias de verão a regulamentação do teletrabalho constava da agenda da Assembleia da República, que tinha iniciado a discussão de vários projetos em maio passado. As férias parlamentares deixaram os trabalhos em suspenso. O início do debate teve de esperar por 7 de setembro, altura em que os deputados regressaram ao trabalho.
No entretanto, o processo de vacinação foi acelerado e os resultados da vacinação em massa da população levaram a que o governo deixasse cair, inclusive, a recomendação do teletrabalho a partir de outubro.
Face a esta “desobrigação” do teletrabalho, trabalhadores e entidades patronais, ficaram no vazio…
Muitas empresas para não criarem conflitos com os trabalhadores mantiveram-nos em teletrabalho, outras concederam regimes híbridos, permitindo x dias de trabalho na empresa e outros a partir de casa. Poucas, a não ser as empresas de pequena dimensão, decretaram o regresso ao trabalho dos seus trabalhadores, na totalidade!!!
E enquanto empresas e trabalhadores se “acomodavam no terreno” sem saber muito bem como proceder e percorrendo muitas vezes processos sensíveis, morosos e, nalguns casos, até dolorosos de negociação, levando à quebra por vezes de cordatas relações de trabalho que levaram anos a sedimentar… a verdade é que no dia 17 de setembro passado, novas alterações às propostas que já tinham sido apresentadas deram entrada na Assembleia da República para serem discutidas na semana de 04 de outubro!
Assim, o Bloco de Esquerda (BE), o PCP e o PS remeteram à Assembleia da República alterações às propostas previamente apresentadas para regulamentar o teletrabalho.
As propostas ampliam o universo de trabalhadores que podem requerer o teletrabalho sem necessidade de acordo com o empregador – passando a abranger pais com dependentes até aos 8 anos de idade; reforçam o enquadramento a aplicar no que respeita à obrigatoriedade das empresas assumirem o acréscimo de custos decorrentes do teletrabalho, comparticipando, por exemplo, gastos com energia ou internet, e trazem também mudanças na forma, com o PS a aceitar regulamentar o teletrabalho no âmbito do Código do Trabalho e não em regulamentação autónoma, como era a sua proposta inicial. O consenso entre PS e BE nestes dois últimos pontos pode abrir portas à aprovação de novo enquadramento…
Seja na forma ou no conteúdo, em algumas matérias há consenso à vista, noutras ainda é cedo para perceber…. E depois houve que dar espaço à concertação social, como não podia deixar de ser.
O “dossier do teletrabalho” que devia estar fechado antes da apresentação do Orçamento do Estado para 2022, continua em andamento…
E no meio desta morosidade do processo legislativo, trabalhadores e entidades empregadoras andam à deriva desde agosto passado e ainda mais perdidos desde o passado 01.10.
Será caso para perguntar : Está o legislador à espera de se inspirar na realidade e nas soluções que empresas e trabalhadores encontraram com “sangue, suor e lágrimas” para trazer à luz a nova regulamentação do teletrabalho?
E se, entretanto, muitas empresas e trabalhadores assinaram acordos de teletrabalho com base em pressupostos que a nova regulamentação vier a alterar, poderão voltar atrás nesses acordos? E se as empresas não contavam com custos de determinado valor e os trabalhadores já organizaram uma nova vida confiando na manutenção do teletrabalho, podem ter de voltar ao regime presencial?
É caso para dizer que o legislador deve conformar a realidade e não o contrário e, como “a mulher de César”, “tem de ser sério”.